26.6.07

Gotan Project

O show do Gotan Project, em Brasília, foi muito bom. E de graça.

Au! Au!

Hoje tomei uma "bronca" da minha analista porque ela descobriu que a chamo de "veterinária". Isso me lembrou uma historinha da época do estupidismo, que não tem nada a ver com análise, mas tem a ver com vererinário. Aliás, não, tem a ver com cachorro. Mas prá que é que eu tô explicando isto? Me lembrei da história e pronto, já basta.

Tenho um amigo que defende a teoria de que os cachorros são muito mais evoluídos em termos de linguagem que nós, seres humanos. Por exemplo: na origem, dizia-se, em português, "Vossa Mercedes". Então, era um tal de "Vossa Mercedes poderia isto?" "Trouxe uma carta do imperador para Vossa Mercedes!" - e assim por diante. Com o tempo, simplificou-se isto para "vosmecê", depois pra "você" até que, hoje, estamos quase adotando definitivamente o "cê".

Isso acontece com outras palavras, como "tá", "belê", "sussa" etc. (que, na verdade é "et cetera")

A idéia desse meu amigo é que os cachorros estão muito mais avançados. Resumiram tudo a "au". Querem que o intruso vá embora? "au, au, au, au, au!!!!". Querem brincar? "au, au, au, au!". Têm fome? "Au! Auau!".

Isso não é apenas um som. É efetivamente uma linguagem. Tanto que, se nós dissermos pro cachorro: "deita!", ele vai e se deita. "Senta", ele igualmente obedece. "Junto!"... Ele entende também. Entende tudo, está a par da nossa linguagem. O contrário é que não ocorre. Quando o cachorro quer sair pra passear, ele inicialmente respeita nossa inteligência e diz, em alto e bom cachorrês: "Au! Au! Au!". Mas nós fazemos aquela cara de idiota - "Que foi, Totó? Que cê quer?". Daí o cachorro cansa de tentar falar com burro e vai até a porta, pega a coleirinha e fica fazendo mímica, pra ver se a gente entende. Daí, sim, nós, ainda com cara de bobos, pegamos a corrente e colocamos neles, falando qualquer coisa ridícula como quem conversa com criancinha.

Tanto a evolução canina é veradeira que, entre eles, os cachorros estão mais avançados ainda! Dispensaram a lingagem latida. Para qualquer coisa que um queira dizer ao outro, basta cheirar o trazeiro. Uma forma quase telepática de se comunicar. E universal.

É ou não é?

Cássia de partida

Minha homenagem à Cássia, a quem eu não via há tanto tempo, e que está de partida pra Alemanha. Mesmo sem ter contato nenhum com ela há mais de ano, me senti completamente à vontade em sua casa, na festa de despedida. Há certas pessoas com quem, definitivamente, temos comunhão de espírito.

16.6.07

Graça ou espírito?

Eu não sei se as pessoas andam pouco espirituosas ou se eu é que ando sem graça mesmo. Provavelmente, os dois. Recentemente, eu estava usando uma camisa que uma amiga me deu, na qual está escrito "A vida é a arte do encontro". Tive, com um estágiária, o seguinte diálogo:

Ela: Vida é a arte do encontro? Quem escreveu isso?
Eu: O Vinícius de Moraes.
Ela: Ahhhh... Vinícius... O Vini! Viu como eu sou íntima?
Eu: Pois é... Que Deus o tenha. O Dê.
Ela: Que? - me olhando com cara de Alien.

Francamente...

Memoire de la nuit e o peidorreiro


Ontem fui ao teatro assistir à peça "Memorie de la nuit". Realmente é muito boa. Vejam a sinopse, segundo o Correio Braziliense:


"O suíço Philipp Boë não vê a hora de apresentar o seu solo Mémoire de la Nuit em palcos brasileiros. Atração de hoje e amanhã, às 21h, e domingo, às 20h, na Mostra Internacional de Teatro (MIT), que segue até o dia 24, no CCBB, ele diz estar curioso por conhecer as diferenças de estilo do teatro no Brasil. Não só isso: quer sentir na pele as impressões do humor brasileiro. “Espero que o público goste desse surreal universo inspirado por René Magritte e também quero ter retorno direto do público. Estou interessado em conhecer as diferenças do humor nas várias culturas. As pessoas no Brasil provavelmente irão rir em
momentos diferentes do que acontece em outros lugares”, prevê Boë.


Criado há três anos, Mémoire de la Nuit utiliza elementos de ilusionismo para narrar a aventura de um detetive que tenta solucionar um misterioso assassinato. Para montar esse quebra-cabeça nebuloso, ele conduz o público em uma viagem onírica, tendo como referência não apenas a mente do criminoo, mas também suas reminiscências. As alegorias visuais dão impressão de ter saído de um filme do americano David Lynch. 'Estou convencido de que cada apresentação cresce com o público. No meio da trama, alguns textos dão à platéia várias pistas da história', destaca Boë."

Para assistir aqui em Brasília, porém, está complicado. Todos os ingressos já foram vendidos, eu fui na data da abertura e - literalmente - comprei o último. Depois, na peça, descobri por quê.

Antes de começar o espetáculo, havia uma equipe da TV Gazeta entrevistando o público. Fiquei com medo de eles virem na minha direção, porque eu definitivamente não tava a fim de aparecer na TV. Mas, pra minha alegria, eles resolveram entrevistar um cara que tava perto de mim. Era um daqueles sujeitos de fala mole e aspecto intelectualóide, quase telepata, que eu já descrevi neste blogue. Este, porém, além da famosa sandália de couro, ainda apresentava um cabelo cuidadosamente despenteado. A impressão que passava - e eu não tenho nenhum motivo pra duvidar que era proposital - era que, de duas uma: ou ele havia acabado de acordar, ou não tomava banho pra não enriquecer as multinacionais que produzem chuveiros, se é que há alguma.

No momento do espetáculo, essa preciosa figura sentou-se do meu lado e começou a conversar com outro sujeito, que igualmente estava de sandálias de couro (óbvio). Eu fiquei no meio do fogo-cruzado. As conversas giravam em torno da necessidade de fomento à cultura em contraposição ao teatro de grande público, e o papel dos bancos ricos nessa parada.

Num dado momento, o descabelado disse algo que me deixou especialmente irritado:

- Cara, o que eu acho bacana é que os preços aqui são bem baratos. Eu chego sempre de manhazinha pra comprar os ingressos e compro sempre dois, em todos os dias. Assim eu posso decidir quando é que eu estou a fim de ir, e se quero levar alguém.

Eu, que quase não consegui comprar o ingresso e ainda não pude convidar ninguém pra ir comigo, porque peguei o último, naturalmente tentei argumentar com o sujeito se ele não acharia um pouco egoísta essa postura, mas há pessoas que simplesmente não estão preparadas para admitir que podem estar erradas, ainda mais se quem aponta isso é alguém que toma banho.

Começou a peça, que é excelente, e essa figura, pra piorar ainda mais começou a peidar. Ele peidou durante a peça inteirinha. Insuportável. Peido fedido, cara, como pode? E ainda ficava suspirando o espetáculo todo, como quem estivesse entediado, achando tudo aquilo uma merda.

Como achar uma peça como essa ruim é algo que me intriga, porque era original, bem bolada, bem executada e muito rica. Mas tudo bem. Terminou o espetáculo, o teatro inteiro aplaudiu de pé e ele fez questão de não bater as mãos uma única vez. Saiu do teatro com cara de quem não gostou, como um gênio incompreendido neste mundo medíocre.

Haja paciência...

13.6.07

Namoros?

Este texto não é meu, é do Xico Sá. Eu bem que gostaria de tê-lo escrito, mas eu não teria, nem a idéia, nem o talento pra atingir esse modelo final. Portanto, contento-me em reproduzi-lo, dando o crédito a quem realmente merece...

Não se pede mais em namoro em São Paulo

É namoro ou amizade? Rolo, cacho, ensaio de amor, romance ou pura felicidade clandestina?
“Qualé a sua, meu rapaz?!”, indaga a nobre gazela. E o homem do tempo nem chove nem molha. Só no mormaço, só na leseira das nuvens esparsas.


Na era do amor líquido, para lembrar o título do ótimo livro de Zygmunt Bauman sobre a fragilidade dos encontros amorosos, é difícil saber quando é namoro ou apenas um lero-lero, vida noves fora zero…

Cada vez mais raro o pedido formal de enlace, aquele velho clássico: “Você me aceita em namoro”?

Talvez nem exista mais em São Paulo, a não ser lá na divisa com o Mato Grosso, numa taberna perdida de Mirassol, na praça de Guzolândia, depois da missa de domingo, talvez em Cosmorama, nunca na Ilha Solteira…

O amor e as suas malasartes. O amor será sempre dirigido por Hitchcock, haja suspense, mestre!

Quer namorar comigo?”

No tempo do “ficar”, quase nada fica, nem o amor daquela rima antiga.

Alguns sinais, porém, continuam valendo e dizem muito. O ato das mãozinhas dadas no cinema, por exemplo, ainda é o maior dos indícios.

Mais do que um bouquet de flores, mais do que uma carta ou um email de intenções, mais do que uma cantada nervosa, mais do que o restaurante japonês, mais do que um amasso no carro, mais do que um beijo com jeito, daqueles que tiram o batom e a força dos membros inferiores.

“Vamos pegar uma tela, amor?”, como se dizia não muito antigamente. Eis a senha.

Mais até do que um jantar à luz de velas, que pode guardar apenas um desejo de sexo dos dons Juans que jogam o jogo jogado e marketeiro do homem-bistrô, aquele que conhece vinho, que cheira a rolha para impressionar a moça .

O cinema, além da maior diversão, como diziam os cartazes de Severiano Ribeiro, é a maior bandeira. Nada mais simbólico e romântico. Os dedos dos dois se encontrando no fundo do saco das últimas pipocas… Não carecem uma só palavra, ainda não têm assuntos de sobra.

Salve o silêncio no cinema, que evita revelações e precoces besteiras.

Ah, os silêncios iniciais, que acabam voltando depois, mas voltando sem graça, surdo e mudo, eterno retorno de Jedi. Nada mais os unia do que o silêncio, escreveu mais ou menos assim, com mais talento, claro, Murilo Mendes, outro monstro entre os nossos líricos.

Palavras, palavras,palavras…

Silêncio, Silêncio, silêncio…

Dessas duas argamassas fatais o amor é feito e o amor é desfeito. Simples como sístole e diástole de um coração que ainda bate.

12.6.07

Tatuagem


Estou pensando em marcar alguns acontecimentos recentes de minha vida com uma tatuagem. Com a ajuda da Flá e da Madame, selecionei este desenho, que está aí em cima. É uma pintura do Egon Schiele chamada "Mother and child", de 1910. Se alguém que entende de tatuagens ler este desértico blogue, por favor me diga se acha possível o desenho ficar igual (as cores são complicadas). E, mesmo quem não entende do assunto, fique à vontade pra me dizer se achou bonito. Penso em colocá-la nas costas ou no braço...

Lílitchka!

Atendendo aos pedidos da minha querida lieberina, que, aliás, fez-me uma homenagem maravilhosa no seu excelente blogue, posto Lílitchka, poema do Maiakovski que eu cansei de recitar na vã esperança de tentar conquistar alguma caloura mas desavisada, na faculdade. Obviamente não deu certo, mas garanto que a culpa não era do poema...

LÍLITCHKA! (Em lugar de uma carta)
Vladmir Maiakovski

Fumo de tabaco rói o ar.
O quarto -
um capítulo de inferno krutchônikh.
Recorda -
Atrás desta janela
pela primeira vez
apertei tuas mãos, atônito.
Hoje te sentas,
no coração - aço.
Um dia maise me expulsarás,
talvez, com zanga.
No teu "hall" escuro longamente o braço,
trêmulo, se recusa a entrar na manga.
Sairei correndo,
lançarei meu corpo à rua.
Transtornado,
tornadolouco pelo desespero.
Não o consintas,
meu amor,
meu bem,
digamos até logo agora.
De qualquer forma
o meu amor- duro fardo por certo -
pesará sobre tionde quer que te encontres.
Deixa que o fel da mágoa ressentida
num último grito estronde.

Quando um boi está morto de trabalho
ele se vaie se deita na água fria.
Afora o teu amor
para mim
não há mar,
e a dor do teu amor nem a lágrima alivia.
Quando o elefante cansado quer repouso
ele jaz como um rei na areia ardente.
Afora o teu amorpara mim
não há sol,
e eu não sei onde estás e com quem.
Se ela assim torturasse um poeta,
ele
trocaria sua amada por dinheiro e glória,
mas a mim
nenhum som me importa
afora o som do teu nome que eu adoro.
E não me lançarei no abismo,
e não beberei veneno,
e não poderei apertar na têmpora o gatilho.
Afora
o teu olhar
nenhuma lâmina me atrai com seu brilho.
Amanhã esquecerás
que eu te pus num pedestal,
que incendiei de amor uma alma livre,
e os dias vãos - rodopiante carnaval -
dispersarão as folhas dos meus livros...
Acaso as folhas secas destes versos
far-te-ão parar,
respiração opressa?

Deixa-me ao menos
arrelvar numa última carícia
teu passo que se apressa.

(Tradução de Augusto de Campos)

Pra não dizerem que nunca publiquei nada...

Vejam só o que eu achei na net... Lá atrás, na virada de 99 pra 2000, um conhecido meu no Estadão me pediu que escrevesse um artigo qualquer, pra encher lingüiça no caderno de informática. Eu escrevi esse artigozinho fuleiro. Ele deveria ter sido publicado antes do bug do milênio, mas acabou saindo só em 3 de janeiro de 2000. Além disso, os caras editaram pra caramba meu texto. Mas té que ficou bonzinho, na medida do possível...

"ELES ESTÃO FICANDO TEMPERAMENTAIS

Especial para o Estado

Há mais de dez anos, fiz um curso de linguagem Basic para micros Apple. Na época, via o computador como algo misterioso – só sabia que eram máquinas enormes e lógicas. No curso, aprendi o que eram bits, bytes, linguagem binária, rotinas, linhas de programação... Depois, passei a dominar comandos como “home”, “gosub”, “if...them”, etc. Até que pude dizer: “Eu sei lidar com computador.”

Grande engano. Pouquíssimo tempo se passou até o lançamento dos PCs, operados a partir de um “sistema operacional” (o que seria isso?) chamado MS-DOS. De novo, fiz um curso de computação e aprendi a trabalhar com “label”, “dir *.*”, “diskcopy”, “path”, etc. Aprendi, também, a usar o “moderníssimo” Wordstar, que – diziam – sepultaria as máquinas de escrever.
Desta vez, pensei, posso dizer que sei lidar com computadores. Na época, a grande coqueluche era um jogo chamado Prince of Persia, em que os movimentos do personagem na tela beiravam a perfeição. Estávamos chegando ao auge. A
inteligência artificial não tardaria. O Universo seria nosso!

Ao contrário das minhas expectativas, porém, em dois anos eu já estava completamente desatualizado. Um novo sistema, chamado Windows, havia chegado para revolucionar a computação. Tudo o que eu sabia era coisa do passado. Os gráficos “espetaculares” de Prince of Pérsia não eram nada comparados a Doom. Ao ligar o computador, automaticamente, todos teclavam “win”, para entrar no mundo maravilhoso das janelinhas. Depois, vieram os laptops, palmtops, Windows 95, Windows 98, Internet... Tornei-me advogado e desisti de todos os cursos – resolvi ser apenas usuário de computador, em vez de conhecê-lo profundamente.


Hoje, do alto do meu desconhecimento, vejo que os computadores não são grandes, nem lógicos. Ao contrário, estão cada vez menores e temperamentais! Quantas vezes, ao utilizar meu computador, sem qualquer explicação, ele resolve não mais trabalhar, com alguma desculpa esfarrapada do tipo: “Esse programa provocou uma falha geral no sistema e será fechado...” Em geral, não é porque fizemos algo errado. Mas o computador não quer o programa aberto e pronto! Não há nada de lógico nisso! Além disso, os computadores também têm um pouco de sadismo. Quem nunca perdeu um documento enorme no Word, só porque, de repente, apareceu um aviso de que “Esse programa será fechado...” – com a única opção de teclar Ok? É horrível! Ao fundo da tela, a gente vê aquele texto enorme, que levou duas horas para escrever, e na janela em primeiro plano, a única alternativa: concordar em perder tudo!

No momento, estamos assistindo à maior crise de temperamento da história da computação. Todos temem que alguns computadores, simplesmente, se recusem a acreditar que estamos no ano 2000. Para eles, será 1900 – não importa o que digam. Imagino os técnicos dizendo para eles: “Mas, computador, não é 1900, é 2000; você vai causar um colapso mundial se não entender isso!” E o computador responde: "Amigo, cada um com seus problemas; no meu modo de ver o mundo, é 1900.”

Esse é o nosso dilema. Em vez de inteligência artificial, criamos teimosia artificial. Em vez de dominar o universo, corremos o risco de uma catástrofe mundial... E eu, sem entender o que está acontecendo (como a maioria), torço para que o computador do meu banco resolva creditar cem anos de juros em minhas aplicações financeiras!"

9.6.07

No avião

Provavelmente alguém que lê isto (se é que alguém lê), anda de avião. Agora, gostaria que me explicassem: Por que, quando o avião pousa, antes mesmo de encerrar o movimento, todo mundo levanta e vai pro corredor? Simplesmente não consigo entender essa vontade que todos têm de se sentir dentro de em um ônibus. Do pouso até a abertura das portas, geralmente, passam uns dez minutos. Mas todo mundo adora aguardar esse prazo de pé, como se fossem, todos, ocpuados demais pra sair do avião por último.

O pior é quando vc. viaja no corredor. Se vc. simplesmente aguarda a abertura das portas do avião pra se levantar, normalmente as duas pessoas que estão ao seu lado te olham com uma cara de quem está olhando para um extraterrestre.

E o pior: Todo esse povo aguarda, depois, calmamente que as malas cheguem na esteira do desembarque. Vai entender...

8.6.07

Amo - Maiakovski

Não sou um profundo conhecedor de poesia - aliás, não sou profundo conhecedor de coisa alguma. Mas, dentro desse quase-nada que conheço, compartilho com vcs. o que considero ser o mais bonito poema de amor que já li: "Amo", do Maiakovski. A única exigência que faço é que qualquer um que esteja sem tempo volte a este blog depois. Quem quer que leia este poema deve fazê-lo muito devagar. Acreditem, vale a pena.

AMO

COMUMENTE É ASSIM

Cada um ao nascer
traz sua dose de amor,
mas os empregos,
o dinheiro,
tudo isso,
nos resseca o solo do coração.
Sobre o coração levamos o corpo,
sobre o corpo a camisa,
mas isto é pouco.
Alguém
imbecilmente
inventou os punhos
e sobre os peitos fez correr o amido de engomar. Quando velhos se
arrependem.

A mulher se pinta.
O homem faz ginástica
pelo sistema Muller.
Mas é tarde.
A pele enche-se de rugas.
O amor floresce,
floresce,
e depois desfolha.

GAROTO

Fui agraciado com o amor sem limites.
Mas, quando garoto,
a gente preocupada trabalhava
e eu escapava
para as margens do rio Rion
e vagava sem fazer nada.
Aborrecia-se minha mãe:
"Garoto danado!"
Meu pai me ameaçava com o cinturão.
Mas eu, com três rublos falsos,
jogava com os soldados sob os muros.
Sem o peso da camisa,
sem o peso das botas,
de costas ou de barriga no chão,
torrava-me ao sol de Kutaís
até sentir pontadas no coração.
O sol assombrava:
"Daquele tamaninho
e com um tal coração!
Vai partir-lhe a espinha!
Como, será que cabem
nesse tico de gente
o rio,
o coração,
eu
e cem quilômetros de montanhas?"

ADOLESCENTE

A juventude de mil ocupações.
Estudamos gramática até ficar zonzos.
A mim
me expulsaram do quinto ano
e fui entupir os cárceres de Moscou.
Em nosso pequeno mundo caseiro
brotam pelos divãs
poetas de melenas fartas.
Que esperar desses líricos bichanos?
Eu, no entanto,
aprendi a amar no cárcere.
Que vale comparado com isto
a tristeza dos bosques de Boulogne?
Que valem comparados com isto
suspiros ante a paisagem do mar?
Eu, pois, me enamorei da janelinha da cela 103
da "oficina de pompas fúnebres".
Há gente que vê o sol todos os dias
e se enche de presunção.
"Não valem muito esses raiozinhos"
dizem.
Eu, então,
por um raiozinho de sol amarelo
dançando em minha parede
teria dado todo um mundo

MINHA UNIVERSIDADE

Conheceis o francês sabeis dividir,
multiplicar,
declinar com perfeição.
Pois, declinai!
Mas sabeis por acaso
cantar em dueto com os edifícios?
Entendeis por acaso
a linguagem dos bondes?
O pintainho humano
mal abandona a casca
atraca-se aos livros
e as resmas de cadernos.
Eu aprendi o alfabeto nos letreiros
folheando páginas de estanho e ferro.
Os professores tomam a terra
e a descarnam
e a descascam
para afinal ensinar:"Toda ela não passa dum globinho!"
Eu com os costados aprendi geografia.
Os historiadores levantam a angustiante questão:
- Era ou não roxa a barba de Barba Roxa?
Que me importa!
Não costumo remexer o pó dessas velharias!
Mas das ruas de Moscou
conheço todas as histórias.
Uma vez instruídos,
há os que se propõem a agradar às damas,
fazendo soar no crânio suas poucas idéias,
como pobres moedas numa caixa de pau.
Eu, somente com os edifícios, conversava.
Somente os canos de água me respondiam.
Os tetos como orelhas espichando
suas lucarnas atentas
aguardavam as palavras
que eu lhes deitaria.
Depois
noite a dentro
uns com os outros
parlavam
girando suas línguas de cata-vento.

ADULTOS

Os adultos fazem negócios.
Têm rublos nos bolsos.
Quer amor? Pois não!
Ei-lo por cem rublos!
E eu, sem casa e sem teto,
com as mãos metidas nos bolsos rasgados,
vagava assombrado.
À noite
vestis os melhores trajes
e ides descansar sobre viúvas ou casadas.
A mim
Moscou me sufocava de abraços
com seus infinitos anéis de praças.
Nos corações, nos relógios
bate o pêndulo dos amantes.
Como se exaltam as duplas no leito do amor!
Eu, que sou a Praça da Paixão,
surpreendo o pulsar selvagem
do coração das capitais.
Desabotoado, o coração quase de fora,
abria-me ao sol e aos jatos de água.
Entrai com vossas paixões!
Galgai-me com vossos amores!
Doravante não sou mais dono de meu coração!
Nos demais - eu sei,
qualquer um o sabe -
O coração tem domicílio
no peito.
Comigo a anatomia ficou louca.
Sou todo coração -
em todas as partes palpita.
Oh! Quantas são as primaveras
em vinte anos acesas nesta fornalha!
Uma tal carga
acumulada
torna-se simplesmente insuportável.
Insuportável
não para o verso
de veras.

O QUE ACONTECEU

Mais do que é permitido,
mais do que é preciso,
como um delírio de poeta
sobrecarregando o sonho:
a pelota do coração tornou-se enorme, e
norme o amor,
enorme o ódio.
Sob o fardo,
as pernas vão vacilantes.
Tu o sabes,
sou bem fornido,
entretanto me arrasto,
apêndice do coração,
vergando as espáduas gigantes.
Encho-me dum leite de versos
e, sem poder transbordas,
encho-me mais e mais.

CLAMO

Levantei-me como um atleta,
levei-o como um acrobata,
como se levam os candidatos ao comício,
como nas aldeias se toca a rebate
nos dias de incêndio.
Clamava:
"Aqui está, aqui! Tomai-o!"
Quando este corpanzil se punha a uivar,
as donas
disparando
pelo pó, pelo barro ou pela neve,
como um foguete fugiam de mim.
- "Para nós, algo um tanto menor,
algo assim como um tango..."
Não posso levá-lo
e carrego meu fardo.
Quero arremessá-lo fora
e sei, não o farei.
Os arcos de minhas costelas não resistem.
Sob a pressão
range a caixa torácica.

TU

Entraste.
A sério, olhaste
a estatura,
o bramido
e simplesmente adivinhaste:
uma criança.
Tomaste,
arrancaste-me o coração
e simplesmente foste com ele jogar
como uma menina com sua bola.
E todas,
como se vissem um milagre,
senhoras e senhorias exclamaram:
- A esse amá-lo?
Se se atira em cima,
derruba a gente!
Ela, com certeza, é domadora!
Por certo, saiu duma jaula!
E eu júbilo
esqueci o julgo.
Louco de alegria
saltava
como em casamento de índio,
tão leve, tão bem me sentia.

IMPOSSÍVEL

Sozinho não posso
carregar um piano
e menos ainda um cofre-forte.
Como poderia então
retomar de ti meu coração
e carregá-lo de volta?
Os banqueiros dizem com razão:
"Quando nos faltam bolsos,
nós que somos muitíssimo ricos,
guardamos o dinheiro no banco".
Em ti
depositei meu amor,
tesouro encerrado em caixa de ferro,
e ando por aí
como um Creso contente.
É natural, pois,
quando me dá vontade,
que eu retire um sorriso,
a metade de um sorriso
ou menos até
e indo com as donas
eu gaste depois da meia-noite
uns quantos rublos de lirismo à toa.

O QUE ACONTECEU COMIGO

As esquadras acodem ao porto.
O trem corre para as estações.
Eu, mais depressa ainda,
vou a ti,
atraído, arrebatado,
pois que te amo.
Assim como se apeia
o avarento cavaleiro de Púchkin
alegre por encafuar-se em seu sótão,
assim eu regresso a ti,
amada, com o coração encantado de mim.
Ficais contentes de retornar à casa.
Ali vos livrais da sujeira,
raspando-vos, lavando-vos,
fazendo a barba.
Assim retorno eu a ti.
Por acaso,
indo a ti não volto à minha casa?
Gente terrena ao seio da terra volta.
Sempre volvemos à nossa meta final.
Assim eu,
em tua direção me inclino
apenas nos separamos
mal acabamos de nos ver.

DEDUÇÃO

Não acabarão com o amor,
nem as rusgas,
nem a distância.
Está provado,
pensado,
verificado.
Aqui levanto solene
minha estrofe de mil dedos
e faço o juramento:
Amo
firme,
fiel
e verdadeiramente.

Desculpas, de novo

Peço a todos os leitores, se é que eu ainda tenho algum, desculpas pela ausência. É a segunda e - espero, a última vez que me afasto. Tentarei compensar a ausência e, tenho certeza, uma boa parte dessa compensação estará na próxima postagem...

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