6.9.07

Larissa e o balão

Larissa sempre quis ter um balão, porque queria ver o mundo do alto. Ela era apaixonada pelas coisas que a envolviam, mas ela queria mesmo é as envolver, então precisava de um balão. Ela pensava que se visse tudo, poderia conter tudo, daí isso virou uma idéia fixa e ninguém poderia convencê-la de estudar, de trabalhar, de namorar, de coisa alguma: ela queria um balão.

Ela aprendeu a fazer um tal balão galinha. Ele funcionava assim: ela pegava uma folha de jornal, trazia para o centro as quatro pontas e as enrolava, como se fizesse uma sacola. Daí virava as pontas pra baixo e punha fogo nelas. A folha de jornal subia enquanto o fogo a consumia e isso, pra ela, era o primeiro balão. Várias foram as associações que ela, sem saber, fez entre o papel subindo e o fogo o consumindo, mas tais associações se conservaram muito ao fundo, então não atrapalharam ela em seu projeto.

Um dia a Larissa obteve seu balão. Ela não sabe dizer como isso aconteceu, então eu nem posso dizer que não foi um sonho. O fato é que ela entrou no balão, acionou a tocha e subiu. À medida que se elevava, ia vendo uma terra que nem conhecia. Era tudo diferente. Demorou pra que ela percebesse que aquilo que ela via era a mesma paisagem que conhecia lá de baixo. Com os olhos, ela poderia ir de um lugar a outro, num instante. Questionou o valor do tempo e da distância, mas logo abandonou essa idéia pra se entregar simplesmente à sensação de estar ali. Num dado momento, essa entrega lhe proporcionou a percepção de que o conhecimento que tinha daquela terra lá embaixo, na verdade, era fictício. Ela notou que, não obstante fosse o lugar onde ela naturalmente morava, aquilo se tornou todos os lugares que ela já conheceu, inclusive o lugar onde nasceu. Era tudo ao mesmo tempo, ela não tinha certeza se essa percepção era uma grande descoberta física ou só uma sensação, mas ela, no fundo, já tinha chegado no ponto em que uma coisa e outra não se diferenciavam.

À medida que o balão subiu e seu sonho se realizava, à medida que ela conseguia imaginar que abraçava não só a vila que queria possuir, mas toda a sua existência, seu presente, passado e futuro, ela começou a se assustar. De repente, sua vida pareceu limitada. Ela sentiu muita angústia e muita solidão, e passou a ter medo de acender a tocha para fazer o balão subir mais. Parecia-lhe que algo de balão-galinha havia no seu habitat. O pavor fez com que ela recuasse e encostasse as costas do lado oposto do cestinho, mas ao fazer isso ela sentiu como se caísse. Jogou-se, então no chão, primeiro de joelhos e depois deitada de lado, com as pernas encolhidas. Olhou para a tocha e notou que a havia deixado acionada. Sentiu pavor, não compreendeu por que fizera aquilo e teve certeza de que seu balão se queimaria e deixaria de existir. Quis fexar os olhos mas não conseguiu, permaneceu olhando atentamente para a chama e sentiu-se certa de seu destino.

Quase impossibilitada de sentir coisa alguma além de pavor, notou que, à medida que a chama se intensificava, o balão não subia mas, em vez dele, subia a cesta onde estava. Quis olhar o mundo, abaixo, mas não teve coragem de se levantar. Não notava sequer a cor do céu, então ela não poderia dizer se ela mudou ou não. Ela não sabia nem mesmo se respirava, mas estranhamente isso não tinha importância.

A cesta subia, subia, subia estranhamente, até que, num momento que ela não sabe exatamente descrever, a cesta passou para dentro do balão. Tudo se inverteu, a boca da chama, agora, estava acima, e a gravidade puxava no sentido oposto. Tudo estava invertido, e ela, que permanecia deitada de lado, encolhida, não teve vontade de se levantar. Ela crescia, a cesta se transformou em sua pele, ela crescia, crescia, e tocou, com as costas, braços, pernas, a superfície interna do balão. Não sentia mais medo, em que pese não compreendesse coisa alguma. Seus olhos se fecharam e ela via tudo cor-de-rosa. Todo o mundo que parecia lhe pertencer deixou de existir, assim como não mais existia a própria idéia de pertencimento. Tudo passou a se integrar de uma maneira completa, e pertencer a algo deixou de ser possível, desaparecendo junto com seu oposto. Aos poucos, perdeu a noção de tristeza ou de alegria.

Num momento, sentiu que todo o amor possível se dirigia ao balão. Em seguida, não soube dizer se o amor englobou o ódio, se a tristeza englobou a alegria, mas tudo se tornou uma só coisa. Não pensava mais, só sentia. Dormir ou acordar era o mesmo. Aos poucos, nada, absolutamente, poderia mais mudar. Já havia esquecido quem era. Ela não estaria mais diante da montanha, do rio, da água, do fogo, do céu, do pai, da mãe, porque nada disso existia, ela se tornara todas coisas possíveis, existentes ou por existir. A última coisa que desapareceu, junto com a última distinção, foi o tempo. Não havia mais momento, ela se tornara tudo e nada. Seu último instante durou a eternidade, e isso não lhe dava alegria ou aflição.

1 Comentários:

At 12:27 AM, Anonymous Anônimo said...

Hi, Stranger! Vc já foi mais assíduo... E menos displicente também! Beijo.

 

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